o vaso das essências

Porque estás ao lado deles contra mim?
Não nos refugiámos neste deserto,
nem abandonámos ainda este claustro
de santos e anjos colocados.

A humidade do século,
a humildade poisa sobre o oleado. Levo-O
comigo através das ruas vazias,
Levo-O mesmo antes de eu O ver.

Porque estás do lado deles contra mim
pendurado na nave onde só a velha
mulher lembra
com as lágrimas que ninguém ouve

entre as multidões da Tua pátria e
os soldados do império.
Arde uma vela
doem os espinhos

arde o cheiro acre do vinagre.
Queimam algumas aparas do lenho onde Te renovas.
Suspenso sobre a cidade judaica
dominas em silêncio e

levas conTigo as amáveis palavras de um ladrão.
O óleo,
os incensos,
o mundo nem sequer protege a solidão das obras.



João Miguel Fernandes Jorge, Tronos e Dominações

benediction de dieu dans la solitude

Sendo tão velho como deves ser
sentado no cristalino trono
com os teus olhos de judeu astuto
diz-me como posso ser o peregrino
piedoso,
diz-me como se comporta um homem
a caminho de Jerusalém.

Diz-me,
mas não me ensines todas as coisas,
quando eu erguer os olhos aos céus
porque não sei de melhor sítio
para estar, diz-me
ao resplandecer do relâmpago entre
montanhas.


João Miguel Fernandes Jorge, Tronos e Dominações

como fazer que não haja sucedido o sucedido

Como podemos esperar.
Aguardar o que as nossas mãos possam reter.
Uma palavra. O olhar cúmplice. Se as coisas
têm já o estado do vento
o que nas ruas fica das vozes ao fim do dia.

Aguardar mais aguardar nada
Quanto mais se repete uma palavra
«estou sentado virado para a parede desta casa»
baixo, mais baixo ainda,
«estou sentado virado para a parede desta casa»

Fazer que não haja sucedido o sucedido.
O prazer de sentir chegar as coisas
O riso sob a chuva
O frio que faz. Aqui

Como podemos esperar uma noite de lua e vento?


João Miguel Fernandes Jorge
When I get home, Solange Knowles, 2019
Upstream Color, Shane Carruth, 2013
Upstream Color, Shane Carruth, 2013
Upstream Color, Shane Carruth, 2013